da filosofia à ficção, retratando a realidade
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publicado por santissimatrindade, em 04.10.09 às 02:40link do post | favorito

 

Eram quatro da manhã e silenciosamente decidi mata-la! Não por vingança, jamais seria pelo dinheiro. A razão era mesmo a sua inoportuna presença, coisa que não consegui aguentar mais. Nem um segundo a mais! Tudo aconteceu tão rápido, quando dei por ela, era justamente viúvo.
Parecia ter sido executado por um profissional. Fiquei admirado, como eu é que eu? Sendo uma pessoa tão normal, simplesmente cedi ao instante do instinto de forma tão intransitada. Puf… sem ter planeado fazia-me milionário e assassino simultaneamente.
Não havia sangue, era como se não existisse arma, apenas existia um corpo - ainda quente…. Rapidamente fui obrigado a encontrar uma justificação sustentável, sentia-me a vaguear pelas ruas da minha infância, derreti em mim um certo prazer, ao experimentar estes rasgos do evento inesperado.
Meditei …e decidi evocar o mito da morte durante o sono, fenómeno raro, mas está provada a sua existência. Poderiam fazer-lhe os testes que quisessem; autopsia; raio-X; até mesmo de ADN, seguramente nada que encontravam. Foi como um relâmpago – Lá estava ela… uma pedra entupida em pílulas. Então tive um gesto automático, nem sequer lhe toquei, a almofada fez restante. Serviço limpinho, poupou-me de ver sua cara mumificada ao despedir-se do mundo - assim terminou um casamento de quatro anos.
Não quis dormir, permanecia em mim um vazio triangular que emitia ausência de culpa. Todavia experimentava uma tremenda ansiedade de vida, os tentáculos matrimoniais despedaçavam-se entoando coros de liberdade.
Decidi chamar a ambulância apenas quando amanhecesse, passei o resto da noite agarrado a uma garrafa de Black Label, e enquanto planeava um futuro próspero chorava um luto entornado por goles de wysky.
Não saí do lado dela, eu era o Ali Baba que guardava o tesouro. O sol finalmente começou a espiar pelo vidro janela, então peguei no telefone e chamei os médicos.
- Américo! - Américo! – Ouço uma voz forte que me chamava e acordei arrotado na mesa do café onde me penduro todas as noites. Era o dono, preparava-se para fechar e disse-me:
-Vai p’ra casa homem, a tua mulher já ligou para aqui quatro vezes.
Recolhi-me subindo a ladeira inundada por garrafas vazias, a meio virei-me e acenei, depois segui lentamente para a minha prisão à medida que o relógio emitia as quatro badaladas da manhã.
 Que sonho sublime, além de rico ainda era viúvo… bendita a cerveja.

“4uatro da manhã”

Por Aurélia maia

 

o meu ego está:

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publicado por santissimatrindade, em 01.09.09 às 22:43link do post | favorito

 

-O que fazem os cristais na cristaleira?
Retruca a dona mais uma vez para a sua empregada.
-Desculpe Dona Mali, é força d’ hábito, prometo que não volta a acontecer. Está bem assim Senhora?
Respondeu Vanda sorridente para disfarçar o olhar rasurado.
- Eu já disse que os cristais se guardam no armário! A cristaleira é lugar de peças que realçam o seu contraste como o meu Fabergé… contudo desta vez “passons” como dizem os franceses.
 Vanda arruma os cristais disfarçando o seu ar de sublevação e retira-se para terminar os seus afazeres.
Dona Mali afigurava-se como a reencarnação da futilidade. Tinha uma rotina orquestrada por manias e era desprovida de intelecto. Mali dependia de todos os que a rodeavam, vivia num matrimónio de quase duas décadas, no qual decidiu não ter filhos, para preservar o corpo.
Inácio, o esposo, bem ansiava por herdeiros, mas ela tanto adiou, que hoje é assunto fora de questão. Vanda era o seu ponteiro de equilíbrio entre a vida real e o fútil. Mas esta detestava o seu trabalho e acima de tudo, abominava a patroa. Mas sendo ela filha de operários, que remédio tinha senão submeter-se aos caprichos de Mali.
Mali reclamava do pó ou da ausência deste, tanto adorava um prato como o detestava, umas vezes açúcar outras adoçante. Tudo isto foi-se tornando repulsivo para Vanda e com o acumular de sapos engolidos, até que um dia acordou para si mesma e decidiu mudar de rumo.
Uma ninhada de tias reunia-se todas as quartas-feiras na mansão de Mali, espojadas na sala, tomavam o chá e dissecavam a vida alheia, logo sobrava mais trabalho para Vanda.
Numa dessas quartas, estava Vanda na cozinha a preparar o chá debruçada sobre a mesa, e após uma curta reflexão…  pegou no bule pousando-o no chão em frente a seus pés. Seguidamente abaixou-se, levantou a saia e desceu as cuecas de renda discretamente.
- Aqui vai chá. - Segredou ela consigo ao despejar a sua urina perpendicularmente até meio do bule.
Minutos depois anunciou ela com um ar sorridente e cheio de simpatia.
- Está na hora do chá …receita especial da minha madrinha.
 Mali e as tias escoaram o chá como se fossem esponjas, sem suspeitarem do mijo que lhes entrara estômago adentro. O episódio repetiu-se muitas vezes, de modo que, o transtorno que era as quartas, tornara-se agora no passatempo de Vanda. Como ela ria e zombava ao embriagar as tias de mijo.

Certo dia Mali teve mais uma discussão com marido. Vanda, enquanto arrumava, ia escutando tudo que se apregoava.
-Já não dialogamos, só debatemos …e há mais de três meses que não fodemos, se continuar assim, arranjo uma amante. Resmungava Inácio.
Mali sorria e chamava-lhe patético, com um ar de desdém.
Inácio sai disparado do quarto e vai até à sala onde encontra Vanda a arrumar, esta diz-lhe que ele está muito tenso, oferecendo-lhe um rum.
 Depois de quatro doses Inácio ficou mais calmo. Vanda pergunta-lhe se ele quer uma massagem nos ombros para relaxar. E Inácio olha Vanda de cima abaixo dizendo:
-Sim, massaja-me os ombros e tudo que achares que preciso de massajar.
-Está bem senhor, sente no sofá e relaxe.
Disse Vanda, que começou por tirar-lhe a camisa e massaja-lo nos ombros. Inácio tinha um ar mais descontraído e à medida que a massagem ia decorrendo guiou Vanda através do seu olhar rumo até à cintura. Esta enxergou imediatamente o que ele queria e massajou-lhe o membro ainda dentro das calças. O patrão enlouqueceu com aquele gesto, a ponto de lhe sugerir que usasse a língua para terminar a massagem, Vanda assim o fez. Momentos depois foram para o quarto da empregada, Inácio estava entusiástico, Vanda despiu-se e vestiu-lhe o preservativo com a boca, pondo o homem cada vez mais fora de si. Mali já dormia e Inácio com meia dúzia de estancadas despejara o jejum de três meses a seco. Depois do exercício, Inácio larga o látex cheio de esperma na lata do lixo, limpa-se e sobe as calças. Vira-se levando a mão à carteira sacando uma nota de quinhentos euros que oferece à empregada, ao dizer:
-Isto nunca aconteceu! Certo?
Ela abanou a cabeça consentindo e ele retirou-se para os seus aposentos. De relanço, Vanda foi ao lixo de onde saca o preservativo. Transportou-o com cuidado e despejou o conteúdo viscoso dentro de um tubo de ensaio que na bolsa tinha escondido. Abriu a porta do quarto e dirigiu-se à cozinha para guardar a relíquia no congelador.
Cerca de três meses passaram, e numa tarde de quarta-feira Inácio recebe uma ecografia acompanhada de um cartão que dizia “Parabéns já és papa” … foi comprar flores e correu rapidamente para casa, ao chegar encontra Vanda sentada no sofá, que ao por a mão no ventre lhe diz:
-Já tem meses, o preservativo deve ter furado, mas estou muito feliz graças a deus vais ser papá …ah já me esquecia, a Dona Mali fez as malas e foi-se depois de saber de tudo.
- Está bem assim senhor? Pronunciou Vanda pacata e rasa ao sofá, deixando Inácio pendulado entre a ventura de um primogénito e o desgosto que causara a Mali.
Mali sorria… e no espectro do seu rosto escondiam-se as candeias que outrora iluminaram inexoravelmente a sua mente e abriram cancelas ao prostíbulo no qual se tornara a sua vida.

 

Texto: Aurelia Maia

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publicado por santissimatrindade, em 28.08.09 às 19:29link do post | favorito

 

Numa dessas noites, tinha eu pouco mais de treze, minha mãe tricotava uns carpins com a televisão ligada na 2. Teresa Guilherme num eterno feminino de dentuça aguçada, a apresentar debates onde nada existe que valha a pena ser dito. O triturar constante da conversa mole, seguia o lento desfiar da lã, para cá e para lá. Eu, revia pela milésima vez a colecção de calendários: David Hasseloff, Samantha Fox, Maddona, New Kids….
Na sala, à esquerda da mamã, estava a mana, toda esticada no sofá verde que era da avó, com os dentes da Teresa Guilherme reflectidos nos olhos arregalados de tanto ver televisão. Vindo do nada oiço um estrondo triplicado por três pancadas na porta.
“Quem è?” gritou sobressaltada minha mãe abandonando as agulhas e a lã sobre a mesinha para se dirigir à entrada. ”Couceira, abra a porta!” Mamã afectou surpresa, “Ah, é você Olímpia. A esta hora? Como está a menina Eunice? Morreu alguém? Entre!” Minha mãe sempre foi assim. Quando não sabe de que se trata, pensa logo em morte. Dona Olímpia entrou mais grave que nunca, trazia o olhar oblíquo, daqueles que parece que cortam quando pousados em nós. “O que me traz aqui é sério Couceira!”, mamã levou a mão ao peito,”Diga lá mulher por deus” Olímpia foi junto à janela, cogitar para a escuridão da rua:”Sabe o que é que se diz por aí? Não se fala de outra coisa…” “Sei, está a falar da Otilde que chegou da América?” atalhou minha mãe. “Não, estou a falar de outras modas, dizem que as nossas filhas andam aos beijos, mas que pouca vergonha é esta?” Olímpia deixara-se de rodeios. “E o que é que isso tem mulher, são crianças… “Não são beijos de criança, são beijos de língua e muito…e o mais longo, pelo que me disseram, durou minuto e meio”a mulher continuou “ Couceira, você tem uma filha em casa que é urgente tratar e por causa disso, também eu agora carrego a calamidade sob o meu próprio tecto”. Minha mãe empalideceu, levei-a pela mão até à cadeira, toda ela tremia. Olímpia bateu com a porta mas não sem antes decretar a devida distância a manter entre as nossas famílias. Corri à cozinha a buscar um copo de água para a mamã onde encontrei minha irmã, morta, inerte sobre uma poça de sangue vivo com os pulsos abertos.
Mas o que me martirizava era a ideia de nunca mais poder beijar Eunice.
 

Texto e ilustração: Aurélia Maia

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publicado por santissimatrindade, em 05.08.09 às 04:41link do post | favorito

 

Ao inicio da tarde daquele dia longínquo decidi sentar-me no terceiro banco do Jardim das Balofas. Sem saber porquê?, dei comigo a fitar um arrumador de camisa aos quadrados e calças blindadas de sujo, este mendigava uns trocos para corroer na rua do Devasso.
Ao aperceber-se que o observava, olhou-me fixamente e coçou o chumaço de ganga azul que sobressaía na carcela das vestes. Eu dissimulei e fingi estar a ler, aquela imagem deu-me um certo nojo que se foi transfigurando e de repente senti-me orvalhada nas partes íntimas.
Perpetuei naquele banco e por instantes parecia que anos se tinham passado, havia em mim um misto de consolo e vergonha, pois jamais imaginava a ter desejo por uma figura tão asquerosa.
Quando voltei a mim reparei que ele deixara de dar atenção aos carros e a depositá-la toda em mim, encaminhou-se em direcção ao arbusto de urze que estava frente ao meu banco e ali parou. A minha alma estava trémula, limitei-me a observar. Reparo que ele olhou em redor, nesse tempo desaperta as calças, saca uma ferramenta vigorosa dizendo-me:
-Queres brincar com ela?
 Eu não consegui dizer mais nada, senão:
- Onde?
Voltou a guardá-la e disse-me:
- Vamos para o parque de estacionamento, que a esta hora está deserto.
As minhas pernas conduziram-me, pareciam saber bem o que eu queria, toda aquela vergonha começou a desvanecer-se como a cidade no nevoeiro.
Chegamos ao parque e não disse palavra, deixei que abusasse de mim como se eu não o quisesse. Desventrou-me no chão, e possui-me pela traseira entre carros e cheiro a pneus. Parecia ter sido invadida por uma overdose de aprazimento, como uma explosão de droga a dispersar-se no meu corpo tumultuando os meus vasos sanguíneos.
Descarregou toda a seiva sobre mim e compôs-se. De repente viu a minha bolsa, abriu-a e despejou tudo sobre mim, pegando um envelope com todo o meu ordenado. Tudo aquilo deu-me outro orgasmo. Ele abriu o envelope e sorriu.
Então eu disse-lhe:
-Espera eu sou casada e o meu marido vai-me pedir o dinheiro.
Ele voltou a sorrir e respondeu-me andando:
- Podes dizer que gastaste o ordenado em pensos higiénicos.
 Assim procedi, o meu marido achou estranho, mas não quis escavar e foi jogar bilhar.
Continuei a frequentar aquele parque, mas nunca mais avistei o arrumador que procurava.
Quando o meu marido me possui, por vezes sou transportada para aquele parque e até sinto o cheiro dos pneus, atingindo o clímax ao olhar para a caixa de Evax.

Texto e Fotgrafia: Aurelia Maia
 

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