-O que fazem os cristais na cristaleira?
Retruca a dona mais uma vez para a sua empregada.
-Desculpe Dona Mali, é força d’ hábito, prometo que não volta a acontecer. Está bem assim Senhora?
Respondeu Vanda sorridente para disfarçar o olhar rasurado.
- Eu já disse que os cristais se guardam no armário! A cristaleira é lugar de peças que realçam o seu contraste como o meu Fabergé… contudo desta vez “passons” como dizem os franceses.
Vanda arruma os cristais disfarçando o seu ar de sublevação e retira-se para terminar os seus afazeres.
Dona Mali afigurava-se como a reencarnação da futilidade. Tinha uma rotina orquestrada por manias e era desprovida de intelecto. Mali dependia de todos os que a rodeavam, vivia num matrimónio de quase duas décadas, no qual decidiu não ter filhos, para preservar o corpo.
Inácio, o esposo, bem ansiava por herdeiros, mas ela tanto adiou, que hoje é assunto fora de questão. Vanda era o seu ponteiro de equilíbrio entre a vida real e o fútil. Mas esta detestava o seu trabalho e acima de tudo, abominava a patroa. Mas sendo ela filha de operários, que remédio tinha senão submeter-se aos caprichos de Mali.
Mali reclamava do pó ou da ausência deste, tanto adorava um prato como o detestava, umas vezes açúcar outras adoçante. Tudo isto foi-se tornando repulsivo para Vanda e com o acumular de sapos engolidos, até que um dia acordou para si mesma e decidiu mudar de rumo.
Uma ninhada de tias reunia-se todas as quartas-feiras na mansão de Mali, espojadas na sala, tomavam o chá e dissecavam a vida alheia, logo sobrava mais trabalho para Vanda.
Numa dessas quartas, estava Vanda na cozinha a preparar o chá debruçada sobre a mesa, e após uma curta reflexão… pegou no bule pousando-o no chão em frente a seus pés. Seguidamente abaixou-se, levantou a saia e desceu as cuecas de renda discretamente.
- Aqui vai chá. - Segredou ela consigo ao despejar a sua urina perpendicularmente até meio do bule.
Minutos depois anunciou ela com um ar sorridente e cheio de simpatia.
- Está na hora do chá …receita especial da minha madrinha.
Mali e as tias escoaram o chá como se fossem esponjas, sem suspeitarem do mijo que lhes entrara estômago adentro. O episódio repetiu-se muitas vezes, de modo que, o transtorno que era as quartas, tornara-se agora no passatempo de Vanda. Como ela ria e zombava ao embriagar as tias de mijo.
Certo dia Mali teve mais uma discussão com marido. Vanda, enquanto arrumava, ia escutando tudo que se apregoava.
-Já não dialogamos, só debatemos …e há mais de três meses que não fodemos, se continuar assim, arranjo uma amante. Resmungava Inácio.
Mali sorria e chamava-lhe patético, com um ar de desdém.
Inácio sai disparado do quarto e vai até à sala onde encontra Vanda a arrumar, esta diz-lhe que ele está muito tenso, oferecendo-lhe um rum.
Depois de quatro doses Inácio ficou mais calmo. Vanda pergunta-lhe se ele quer uma massagem nos ombros para relaxar. E Inácio olha Vanda de cima abaixo dizendo:
-Sim, massaja-me os ombros e tudo que achares que preciso de massajar.
-Está bem senhor, sente no sofá e relaxe.
Disse Vanda, que começou por tirar-lhe a camisa e massaja-lo nos ombros. Inácio tinha um ar mais descontraído e à medida que a massagem ia decorrendo guiou Vanda através do seu olhar rumo até à cintura. Esta enxergou imediatamente o que ele queria e massajou-lhe o membro ainda dentro das calças. O patrão enlouqueceu com aquele gesto, a ponto de lhe sugerir que usasse a língua para terminar a massagem, Vanda assim o fez. Momentos depois foram para o quarto da empregada, Inácio estava entusiástico, Vanda despiu-se e vestiu-lhe o preservativo com a boca, pondo o homem cada vez mais fora de si. Mali já dormia e Inácio com meia dúzia de estancadas despejara o jejum de três meses a seco. Depois do exercício, Inácio larga o látex cheio de esperma na lata do lixo, limpa-se e sobe as calças. Vira-se levando a mão à carteira sacando uma nota de quinhentos euros que oferece à empregada, ao dizer:
-Isto nunca aconteceu! Certo?
Ela abanou a cabeça consentindo e ele retirou-se para os seus aposentos. De relanço, Vanda foi ao lixo de onde saca o preservativo. Transportou-o com cuidado e despejou o conteúdo viscoso dentro de um tubo de ensaio que na bolsa tinha escondido. Abriu a porta do quarto e dirigiu-se à cozinha para guardar a relíquia no congelador.
Cerca de três meses passaram, e numa tarde de quarta-feira Inácio recebe uma ecografia acompanhada de um cartão que dizia “Parabéns já és papa” … foi comprar flores e correu rapidamente para casa, ao chegar encontra Vanda sentada no sofá, que ao por a mão no ventre lhe diz:
-Já tem meses, o preservativo deve ter furado, mas estou muito feliz graças a deus vais ser papá …ah já me esquecia, a Dona Mali fez as malas e foi-se depois de saber de tudo.
- Está bem assim senhor? Pronunciou Vanda pacata e rasa ao sofá, deixando Inácio pendulado entre a ventura de um primogénito e o desgosto que causara a Mali.
Mali sorria… e no espectro do seu rosto escondiam-se as candeias que outrora iluminaram inexoravelmente a sua mente e abriram cancelas ao prostíbulo no qual se tornara a sua vida.
Texto: Aurelia Maia